sábado, janeiro 24, 2015

Lá se foi o nosso final feliz.


Apercebi-me que estava melhor sem ti. Não me perguntes como cheguei a essa conclusão. Nem me recordo bem, para ser sincera. A única coisa de que me lembro, era do dia solarengo que fazia lá fora. Os barulhos citadinos abarcavam-me todos ao mesmo tempo. O esvoaçar das asas dos pássaros ecoavam-me na cabeça. E esta sensação estranha – de liberdade, fosse do que fosse – imperava sobre mim.

O meu erro foi ter confundido tudo. Na verdade, já fazia tempo que eu não te amava realmente. Ao invés, amava a recordação tua. As noites passadas a dois entre lençóis. Os dias mornos que passávamos de dedos entrelaçados. E todas as palavras dóceis que me sussurravas ao ouvido. Eu amava-te num tempo distante. Num lugar qualquer algures. E, aí, dei conta: tu não estavas cá mais. Simplesmente isso. O meu erro foi ter confundido um passado recheado de ti, com um presente isento da tua presença.

E de que me servia amar-te na tua ausência? Vivi de tal modo em lembranças e em fotografias poeirentas, que até me esquecera de como a vida continua sempre. Mesmo que sem ti. O meu erro foi ter pensado que esta parara a partir do momento em que partiste. E que só continuaria quando voltasses. Não. Eu continuo cá... E que dia lindo fazia lá fora. Quando dei por mim, não conseguia parar de sorrir. E não era mais aquele sorriso triste, como de quem perdeu tanto na vida. Mas sim, um daqueles que pede por mais; que sonha por tanto. Um daqueles de quem ainda tem muito à sua espera.
Estou finalmente a ficar melhor. Depois de tudo o que passei. Depois de toda a ressaca da tua partida. Depois de todas as feridas que me deixaste à flor da pele. Agora, sinto-me a voltar ao tudo que eu era antes de ti. Ora aí está: o meu problema foi ter-me esquecido de que eu fui alguém antes e além de ti. Pela primeira vez, não são as saudades tuas que me preenchem o peito. Mas sim as que eu sinto de mim.

Talvez jamais terei aquele final feliz que imaginava ao teu lado. Talvez nunca nos mudaremos para aquela tal cabana no meio do nada. Talvez nunca envelheceremos juntos. E, aí, eu apercebo-me do quão estava errada em pedir por tudo isso.

Eu e tu jamais seríamos um final feliz. Porque o nosso fim já há muito que foi. Mas eu continuo cá... E eu sou-me bastante. Pela primeira vez, eu sinto realmente isto: eu sou o que preciso para ser feliz. E eu jamais serei quem me faz falta; quem não faz por ficar comigo. Eu não sou tu. E eu não acabo onde tu acabas. Nem começo onde tu começas. Eu sou o meu próprio início... E tenho tanto por onde começar.


Eu escolho viver. Não mais em recordações ou em álbuns tom de sépia. Não mais naquele castelo em ruínas, que costumava ser o nosso palácio. E eu escolho amar. Não mais um fantasma de um passado longínquo. Mas sim, eu mesma.

Eu quero ser o meu final feliz. E não mereço nada menos que isso.

terça-feira, janeiro 20, 2015

Ouvi dizer... Que não me dizes nada.


Ouvi dizer que estavas melhor sem mim. Já nem sei quem me contou. Mas a notícia veio de fonte segura. Nem soube como reagir. Como? Não faz qualquer sentido. Como é que é possível estares melhor sem mim? Se, outrora, dizias-me, que eu era o melhor da tua vida?

Ouvi dizer que me esqueceste por completo. E que já nem te tropeço nos pensamentos. E que já nem te invado os sonhos que tens à noite. Porquê? Porque é que sou só eu, e eu sozinha, a lembrar-nos por tudo o que fomos? E a sonhar-nos, madrugada após madrugada, como se ainda fôssemos reais? E eu que pensava que jamais teria de ser assim...

Ouvi dizer que encontraste a mulher da tua vida. É calma, serena e não faz grandes dramas. Pacata, como uma maré vazia, que nem remexe, nem se exalta. É isso que tu queres para ti? Alguém tão diferente de mim? Alguém que segue todas as tuas vontades? Alguém incapaz de dizer-te que estás errado? E eu que pensava que querias mais do que isso...


Ouvi dizer que o nosso amor acabou. Podias ter-mo dito a mim. Devias ter sido tu a dar-me essa notícia. Mas não. Tu já nem dizes nada, porque já nem me achas digna da tua voz; da tua presença. E porquê? Como? Como é que foste capaz de nos reduzir a isto? Nem uma carta me enviaste, a proclamar o nosso fim. Nem um sussurro me entregaste, a soletrar um “adeus”. Nada. Porque é que tendes a tratar-me como um nada? Quando, outrora, dizias-me, que eu era tudo aquilo que tu tanto procuraras? O tudo que tu mais querias?

Então, agora eu te digo, depois de ouvir todas estas coisas... Que tu nunca te dignaste a dizer. Mas eu digo-te tudo. E o que é que tenho a perder, se já nem te tenho mais? Vai-te embora e segue sempre. E eu cá hei-de fazer o mesmo. Não é como se me tivesses dado outra opção. Que tola que fui ao acreditar que eu seria o suficiente para te fazer ficar.


O meu problema sempre foi este... Achar que quem mais me quebrou, fosse a mesma pessoa que viria concertar-me. Só vieste para despedaçar-me, não foi? E, depois, deixas-me a ser nada mais do que cacos. Do que um coração desfeito. Do que uma alma vazia. Do que um corpo inerte, incapaz de sentir qualquer toque; qualquer resma de amor.

Ouvi dizer que nunca me amaste... Quem ama, jamais mata quem amou.

segunda-feira, janeiro 19, 2015

Ela era a cura da tua doença.

Será que alguma vez olhaste para ela com olhos de ver? Não me refiro a um relance de olhar. Estou a falar de realmente observá-la como o todo que ela é. Nunca fizeste isso, pois não? Talvez porque julgaste que ela sempre iria lá estar. Tal e qual como sempre fora. A alimentar-se das poucas resmas da tua atenção. À espera num beco sombrio pela tua chegada incerta. A fazer tudo por ti, sem te pedir nada em troca. Tu julgaste que iria ser sempre assim, não julgaste? Mas, então, e agora? Deixaste de vê-la. Para onde será que ela foi?

Será que alguma vez te apercebeste do quanto ela gostou de ti? Não me refiro às palavras doces. Ou às noites quentes passadas a dois. Nem sequer aos presentes e aos “eu amo-te” trocados. Estou a falar do quão longe ela foi por ti. O quanto ela acreditou num futuro imenso do teu lado. E a maneira como ela aprendera a amar todos os teus defeitos, vícios e manhas. Por mais que esses te afastassem de ti e de si. O quanto ela se manteve na primeira fila para todo o caos que tu és, sem vacilar. Medo, sim, ela tinha. Mas nunca o deixou intrometer-se naquilo que sentia. Alguma vez te apercebeste de tudo isso? De tudo o que ela fazia para manter-te na sua vida? Por mais que a ferisse? Por mais que a fizesse perder-se do mundo?


Será que alguma vez a escutaste verdadeiramente? Não me refiro às pequenas conversas por entre lençóis. E muito menos aquelas típicas chamadas tardias, antes de ires dormir. Estou a falar de todas as palavras que ela escondia nas entrelinhas que a sua boca nunca foi capaz de desenhar. Estou a falar de todos os segredos que se lhe morriam nos lábios. Estou a falar de todas as confissões que ela te sussurrava, à noite. Tudo isso que nunca conseguiste ouvir realmente. E porquê? Por falta da tua atenção e da tua paciência. E ela tinha tanto a dizer-te... E para quê? Se ela sempre soube que jamais estarias lá para escutá-la? Depois de tudo o que ela fez por ti. Nem da sua voz foste merecedor.

Será que alguma vez encontrarás alguém como ela? Não me refiro a alguém que te ame. A alguém que faça amor contigo. A alguém que te acompanhe em saídas românticas. Estou a falar de alguém que seria capaz de lutar por ti, acima de tudo. De esperar por ti, por entre o escuro e o silêncio, quando tu nem eras certo de voltar. De acreditar em ti acima de ti mesmo. De agarrar-se à única razão para ficar, em vez das mil e uma que tinha para ir embora. Alguém como ela: que só te queria a ti. Por mais que nem a merecesses. E tu nunca a mereceste, sabias? Será que alguma vez te aperceberás disso?


E queres saber outra coisa sobre ela? Ela amou-te como ninguém. E, por ti, sofreu como nunca. Jamais to dirá, olhos nos olhos, por querer poupar-te à dor. Algo que nunca fizeste por ela. E mais: ela faria tudo de novo. As discussões chorosas, as chamadas ignoradas, as palavras nunca entendidas... Ela faria tudo outra vez - por seres tu. Sempre com a esperança de que, algures dentro desse teu coração morto, uma parte tua aprendesse a amá-la de volta. E tu nem a precisavas de amar tanto assim. Ela amar-te-ia na mesma – por seres tu.

E queres saber (ainda) outra coisa? Ela está (finalmente) a seguir em frente. Dia após dia, ela sente-se cada vez mais capaz de sorrir. De voltar a viver, depois de a teres morto tanto. E de voltar a acreditar em todas aquelas coisas que passaram a mentiras, depois de teres partido. E quando esse dia chegar – o dia em que finalmente te esquece de vez - ela jamais voltará. E encontrará um homem que a veja, que a ouça e que a ame. Como tu nunca foste capaz. Apesar de todas as oportunidades e de todo o tempo que ela te concedeu.


Talvez nem seja tarde demais... Talvez já seja... Talvez ainda estejas a tempo de aperceber-te de todas estas coisas e de ires atrás dela, por uma vez. O teu orgulho? Mas então e o dela? O que ela tanto sacrificou por ti?

Ela só te queria salvar, não percebes? Então, porque é que insistes em morrer?

quinta-feira, janeiro 15, 2015

Era uma vez um amor (in)feliz.


O meu erro foi acreditar que, só por nos termos amado, tal significaria que conseguiríamos fazer-nos a ambos felizes. O amor nem sempre funciona assim. Foi uma das muitas lições que me vi obrigada a aprender do teu lado. Ou melhor – sem ti.

Ainda me lembro de como tudo começou... Parecia tal qual um sonho tornado realidade. Ou talvez uma realidade que virara sonho. Deitava-me com uma vontade extrema de acordar na manhã seguinte. De ir ao teu encontro com um beijo de ‘bom dia’ nos bolsos. E todas aquelas noites que passámos a dois. Por entre conversas leves como penas; uma mistura de ambas as nossas vozes, que sabia a caramelo. Era tudo tão intocável; tão genuinamente simples. Éramos felizes sem fazer por isso e nem dávamos conta. Pudéssemos nós voltar atrás para nos relembrarmos de como é que fazíamos isso...

Depois vieram as discussões – umas atrás das outras. Nem me lembro dos motivos, de tão parvos que deveriam ser. Eu acusava-te de nunca te esforçares por nada. Tu acusavas-me de eu nunca estar satisfeita. Perdíamo-nos em disputas, horas afio, que nunca mudavam absolutamente nada. Agora, se pudesse voltar atrás, tinha-te calado com beijos. Tinha-te abraçado enquanto me fugias. Tinha-te dado a razão toda... E de que me serve estar certa, se não posso estar ao teu lado?


Nós amávamo-nos tanto, mas tanto... Mas, por alguma razão que ainda hoje desconheço, nunca conseguimos ficar juntos. Não nos entendíamos; deixámos de concordar com o que quer que fosse. E, mesmo assim, continuávamos a insistir. Desgastámo-nos. Deixámo-nos levar num ciclo vicioso demente, que só nos afastava cada vez mais. Ao olharmos para trás, até já nos esquecêramos das razões porque estávamos juntos. Foi mais uma coisa que aprendi contigo: de que o amor, por si só, não é o suficiente. Tal como para fumar, não basta o lume. A chama, sempre a tivemos... Mas então e algo para se queimar?

Acabámos por só nos queimar um ao outro. Chegámos ao ponto do ódio furioso. Dos nomes feios. Das pragas rogadas. Duas pessoas que se amavam; que tanto fizeram uma pela outra... Tornaram-se em duas frentes de batalha, para ver qual sairia vencedora. E lá ias tu fazendo questão em mostrar-me o quão insignificante eu me havia tornado para ti. E lá ia eu exibindo-te todas as minhas conquistas, como se tivesses sido ‘só mais um’. Mal sabíamos nós de que, daquela guerra, ninguém ganharia. A partir do momento em que tudo já estava perdido.


Talvez existam pessoas feitas para se amarem. À flor da pele: sem medos, sem reservas e de coração cheio. Amores que duram séculos de história. E, depois, existimos nós. Que só nos soubemos destruir, lentamente, um ao outro. Que só soubemos desperdiçar oportunidades: por teimosia, por orgulho, por falta de paciência. Que só soubemos menosprezar tudo aquilo que tínhamos sido: sem qualquer respeito; (e mais: o que poderíamos vir a ser). Amores, como o nosso, tão intensos, mas que acabam tão depressa; e com tanto por viver. 

Talvez tenhamos sido feitos para nos amarmos. Mas para jamais ficarmos juntos. E com todos estes sentimentos a preencher-nos o corpo, e sem qualquer coração com que os partilhar, vamos amando-nos de longe. Sem nos tocarmos. Sem nos beijarmos. A amar-nos por entre o silêncio das conversas que nem temos. A amar-nos na noite, nos braços de outras pessoas quaisquer. A amar-nos em duas casas vazias. A amar-nos, como se nem nos amássemos – porque acaba por ser exactamente a mesma coisa.


Amar é querer o bem da outra pessoa, acima de tudo... O meu erro foi ter acreditado que tu serias o melhor para mim, e eu o melhor para ti. Agora, apercebo-me que o fim foi a melhor coisa que poderíamos ter concedido um ao outro. Quem sabe? Talvez foi ele que nos salvou, depois de nos termos morto tanto.

Magoaste-me como nunca, mas também me amaste como ninguém. E, apesar de tudo, nunca me senti tão viva, do que quando do teu lado... Obrigada.

domingo, janeiro 11, 2015

O PROBLEMA DAS MEIAS


Uns minutos antes de partires, disseste-me que seria tudo uma questão de tempo. Até à dor esvair-se de mim por completo. Até aos dias voltarem a passar da mesma maneira. Até me habituar à tua completa ausência. Disseste-me para nunca me esquecer que o mundo continuaria a girar. E que a vida continuava, e que eu devia seguir com ela. Despediste-te num meio aceno, com um meio sorriso nos lábios... E foste-te.

Hoje dei por mim a contar os dias. Vá se lá saber porquê. Contei-os, um a um, como se não passassem disso mesmo: de uns dias quaisquer. Chegada ao final da contagem, apercebi-me que eram cinquenta e cinco dias. Cinquenta e cinco dias sem um qualquer vislumbre teu. Cinquenta e cinco dias que por mim passaram, e que eu nem dei conta. Nem me apercebera de que seriam tantos. E o pior é que amanhã serão cinquenta e seis. E assim por diante. O mais assustador é isso mesmo: tu tinhas razão. Os dias continuam a seguir-se, uns a seguir aos outros, mesmo que sem ti.

E, no entanto, estavas tão, mas tão errado. O tempo – esse, sim, passou de facto. Mas a dor continua cá bem concedida entre cada segundo. Entre cada um dos passos que tomo. E por entre todos estes caminhos que me vejo a percorrer, dia após dia. E estes dias... Parece que estagnaram. Morrem-me, lentos, inertes e vazios, até à despedida do sol. Não me sabem a nada. Nada! A partir do momento em que, a nenhum deles, chegas. E a dor... Ai, a dor. Esta que já tão bem conheço e que de tal maneira se tornou naquilo que sou. Nas minhas palavras magoadas; no meu medo imperativo de me aproximar de quem quer que seja. Tolos, os que dizem que mais vale sentir dor, do que não sentir nada. 


Habituar-me à tua ausência? Não, nada disso. Eu sujeitei-me a ela, por não ter outra escolha. Ela não virou hábito; nem somente uma coisa normal... Há quem diga que, quem muito se ausenta, deixa de fazer falta. É mentira. Tanto te ausentaste, e cá estou eu... Com a tua falta a preencher-me – cada vez mais - de espaços vazios. A corroer-me de saudades. A submergir-me em nada mais que solidão imensa. Se me habituei à solidão? Não, nada disso... Eu toda, já só a sou. Como se não passasse de mais nada, a não ser isso.

Ainda me lembro da derradeira despedida. Do teu meio aceno. Do teu meio sorriso. Das tuas meias palavras. Talvez, quiçá, o problema tenha sido mesmo esse. Eras sempre tu a entregares-me metades; a amar-me por meias doses, enquanto eu tanto te queria por inteiro. Jamais deveria ser assim, percebes? Viver e amar pela metade, nem é vida nem é amor. E, agora, eu penso, afinal, no que é que será que fomos. No que é que será que eu fui para ti e tu para mim. E se será que alguma vez chegaste realmente a amar-me; ou se alguma vez eu cheguei sequer a viver.


Deixaste-nos a meio. Sempre foste assim: de nunca ir além; de nunca tentar até ao fim.

Partiste, deixando-nos com tanto por viver. E tanto por amar. E todas essas coisas ainda me arrebatam, por entre estes cinquenta e cinco dias, que passei sem ti. Diz-me, que hei-de fazer com tudo isto, se já nem tenho aonde o deixar? Tu foste-te... Onde estás tu agora?

Devias estar aqui comigo, a dividir todas estas coisas por dois. Estas, que eram tão nossas. Afinal, é aquilo que tu mais gostas de fazer, não é verdade? De partir as coisas a meio?

Fica com a tua metade e eu fico com a minha. Agora, é injusto me deixares com a dor inteira sozinha.

quinta-feira, janeiro 08, 2015

(Não) Fomos feitos um para o outro


Fomos tanto... Lembras-te? Ainda te lembras de nós e de como costumávamos ser?

Lembras-te daquele beijo interminável, à beira-mar, que trocámos em segredo? Lembras-te dos nossos abraços, que sempre foram o encaixe perfeito dos nossos corpos; dos nossos mundos? Lembras-te das palavras que fluíam de nós, e que guardávamos como verdades absolutas? Lembras-te das noites em que adormecíamos lado a lado, com a certeza de que iríamos acordar juntos? Lembras-te do medo demente que tínhamos de nos perdermos um do outro? Lembras-te das lágrimas que chorámos em ambos os nossos colos? Então, ainda te lembras do quão grandes e magníficos conseguimos ser?

Fomos tanto... E agora somos memórias empacotadas num baú, algures trancado num sótão poeirento. E o problema foi meu, admito, por andar sempre a remexer nele. Devia tê-lo deixado em paz. Devia ter aprendido a aceitar a nossa morte, por entre um luto respeitado. Mas não. Fui egoísta. Ressenti-te por me teres deixado a recordar-nos sozinha... Quando, na verdade, foste tu quem agiu bem. Foste tu quem virou costas e seguiu caminho. E que direito tenho eu em chamar-te de volta?

Depois de partires, o meu maior desejo foi ver-te voltar. Tu não o fizeste: por falta de razões, por medo, por falta de vontade, fosse pelo que fosse... Não interessava. O meu problema foi esse: achar que tinha de saber o porquê. E para quê? Se esse jamais me iria trazer-te de volta?


Depois, desejei violentamente esquecer-te. Amar-te, sozinha, magoava-me mais do que qualquer outra coisa. Insultava-te por me teres deixado assim. Insultava-te por, outrora, me teres feito acreditar que para sempre aqui estarias. Insultava-te por tudo e por nada, por ser mais fácil culpar-te de tudo. Só queria esquecer-te, mas continuava a amar-te nas nossas memórias intocáveis. E desde quando é que isso é amor? Devia ter sabido melhor. Devia ter trancado o baú e atirado fora a chave.

Apercebi-me do quão forte eu era, quando não tive outra escolha senão sê-lo. Livrar-me de ti; desligar-me de tudo – das músicas, dos lugares, das conversas tardias, das fotografias bolorentas – costumou-me um pedaço enorme do meu coração. Duvido que ele volte a ser o mesmo, admito. Foste-me muito, percebes? Entreguei-te de tal forma uma parte minha, que deixou de o ser para não voltar mais. Ficou aí, desse lado, enfiada algures numa das tuas gavetas. E depois? Um presente que é dado não deve ser devolvido. E eu não quero esse meu pedaço que te dei, porque ele será sempre teu. Percebes? Eu serei sempre um bocadinho tua. Tu serás sempre um bocadinho meu.

Mas eu não te quero culpar mais. Nem quero ressentir-te. E muito menos fingir que te odeio. Tu agiste bem: amaste-me enquanto era tempo. E partiste quando chegou à altura. E eu, em vez de aproveitar a deixa e seguir caminho, deixei-me ficar só à espera que o nosso passado fosse o suficiente para te fazer voltar. Estava tão errada... O amor não funciona assim. Isso é só apego, hábito – uma outra coisa qualquer. Porque o amor não deixa nenhum a esperar sozinho.


Talvez, um dia, encontre alguém que não se assuste com a minha maneira de amar. Desbravada, desmedida, imprevisível e à flor da pele. Alguém que não se limite a permanecer na linha costeira, mas que se aventure pelas profundezas do oceano comigo, sem deixar que o medo de perder o fôlego lhe faça voltar logo a um porto seguro.

O meu coração é um oceano e tu és um navegante de rios. E eu já me deveria ter apercebido de que, da mesma maneira que não fui feita para marés baixas, também tu não foste feito para grandes ondas.

E eu perdoo-te. Não por ti, mas por mim. Porque eu mereço libertar-me destas cordas que me amarram à costa, e lançar-me numa aventura por entre mares infinitos. E para quê insistir em ficar presa a uma pedra, se existe tanto oceano por explorar?

Fui feita para ser livre. E cansada já eu estou de culpar-te por ter deixado de sê-lo.

terça-feira, janeiro 06, 2015

"Nunca me deixes, Mãe."

Já presenciei vários terramotos: aqueles, que fazem tremer o chão que pisamos e que nos distorcem as vistas; deitam móveis abaixo, partem as louças; que nos fazem perder o equilíbrio por completo. O primeiro impulso, normalmente, é procurar um abrigo seguro. Quer seja debaixo da mesa da cozinha, quer seja nuns braços fortes.

E, no entanto, nenhum desses terramotos conseguiu preparar-me para o maior de todos eles. Aquele abalo aterrorizante que vem em forma de notícia chorosa: “Estou doente”, disse-me a minha Mãe, num dia que parecia ser igual a todos os outros. Foi, sem sombra de dúvida, o pior e mais alarmante sismo de todos os tempos. O chão não se limitou a tremer: deixou de existir. E não foram só os móveis e as louças que caíram: mas sim todo o meu mundo como eu o conhecia. E, nesse terramoto, nenhuma mesa me poderia salvar e nenhum abraço me conseguia socorrer.

É, de facto, a dor mais indescritível e tenebrosa que alguém pode sentir na vida. É tão forte e é tão tudo, que nem se devia chamar dor. Deveria ter outro nome: um capaz de carregar todo o medo, toda a frustração e toda a injustiça que sentimos. Talvez nem exista palavra nenhuma capaz de o fazer, na verdade. Vermos quem mais amamos; quem nos trouxe ao mundo, em perigo de abandonar o nosso.


E que mundo seria mundo, sem ti, Mãe? Como posso continuar a chamá-lo disso, se nem estiveres cá presente? Tu é-lo todo. Tu és o sorriso quente dos meus dias. O abraço a que chamo de lar doce lar. O apoio que mais ninguém é-me capaz de entregar. A confiança e o carinho que não encontro em mais nenhum lado. Que mundo seria esse, sem todas estas coisas, Mãe? Seria um inferno. Seria nada mais o que um completo inferno.

Não há ninguém neste mundo como uma Mãe. Insubstituível; o nosso bem mais precioso, mas sem preço. A que nos dá os sermões mais chatos e longos da história. A que nos castiga, quando cometemos erros, mas também a que os perdoa sempre. A que nos chama a atenção, de todas as vezes. E, mesmo quando não a ouvimos, ela não desiste. Ela persiste. Ela acredita nos seus filhos, apesar e acima de qualquer outra coisa. E por mais que nos irrite, amá-la nasceu connosco. É fora do nosso controlo: esse sim, é o amor eterno e único, em toda a sua glória. A prova de que existe, de facto, um “para sempre”.



E quando Ela adoece, não adoece sozinha. Também eu adoeço. E quando Ela chora, também eu choro consigo. E como poderia ser doutra maneira, se somos tamanha parte d’Ela? O coração que me aperta no peito, já foi teu. E estes olhos que choram pelo medo da tua perda, cresceram no teu fundo. E estas mãos, foram as tuas as primeiras que alguma vez sentiram.

Eu amo-te, Mãe. E não é o maior dos terramotos que me afastará de ti. Juntas, lutaremos. Juntas, reconstruiremos toda esta casa caótica. Juntas, voltaremos a erguer um novo chão, capaz de nos suportar. Juntas, venceremos toda esta batalha... Acredita-me, como eu acredito desmesuradamente em ti.


Mãe não é passado, nem presente, nem futuro – é tudo. Às Mães de todo o mundo. Às que ficaram. Às que partiram, mas que continuarão para sempre cá connosco.

segunda-feira, janeiro 05, 2015

Suposições são becos sem saída, percebes?


Se te amei? Incondicionalmente. Se iria até ao fim do mundo e voltava por ti? As vezes que fossem precisas. Se sofri? Desmesuradamente. Se voltei a sentir algo assim, depois de teres partido? Não. Ainda hoje é esse o medo que carrego aos ombros e que tanto me puxa para trás. Se quis tentar de novo? Definitivamente. Dia após dia, eu rezava por uma nova oportunidade. Por um recomeço. Por uma chave renovada que me abrisse o teu coração. Se valeste a pena? Indiscutivelmente. Para mim, vale sempre, mesmo que nem resulte.

E era isso que tu eras e sempre foste, entendes? A resposta clara a todas as perguntas – quer fossem as feitas, quer fossem as deixadas por fazer. E eu tinha sempre tantas, mas tantas... E de nada me interessavam, a partir do momento que cá estavas. Parece tão ingénuo, não achas? Acreditar que alguém – como tu – seria capaz de ser sempre a opção certa – e a única -, independentemente de tudo o que mudasse.

Se acreditei em ti? Com o peito e as mãos cheias. Se lutei o suficiente? Mais que isso: desmedidamente. Com e sem armas; do teu lado e contra ao mundo; até mesmo quando já nem te tinha, continuei sempre. Se me arrependo? Não. E mais: se voltasse atrás, repetiria tudo e não mudava absolutamente nada.


E era isso tudo que tu significavas para mim, percebes? Uma aventura sem fim à vista. Uma música improvisada sem direito a pauta. Uma história incapaz de se escrever.

Se ainda relembro as nossas recordações a dois? Sim. Todos os dias. Se ainda sinto a saudade e a dor da tua perda? Completamente, como se já fizessem ambas parte de mim (e talvez façam mesmo). Se te quero de volta? (...)

Eu quero e não quero. É essa a contradição com que me deixaste – talvez a única coisa que deixaste para trás, depois de teres partido. Eu quero de volta os beijos quentes; os abraços demorados e as tardes perdidas ao som de melodias, à beira-mar; as noites ferventes e bêbedas por entre lençóis. Eu não quero nunca mais as mentiras, as desconfianças, os segredos e os silêncios; a falta de atenção, de carinho, de paciência. Eu quero e não te quero de volta, percebes?

Tu cansaste-me. Tu esgotaste-me por completo. Varreste-me a esperança de um futuro melhor, graças a este passado repleto de amargura e decepção. E pior: deixaste-me, depois de tudo, a amar sozinha. E ainda pior que isso: desapareceste por completo, sem cerimónias, sem respeito e sem qualquer tipo de aviso. Achas que mereci? E então, não me respondes?


Sempre foi assim, entendes? Sempre funcionou deste jeito. Eu a responder a todas as perguntas, porque sabia que, se fosse à tua espera, morreria no silêncio. E tu a deixares-me afogar por entre elas, sem sequer te preocupares. E depois, como se não fosse nada, partias – uma e outra vez. Ias embora simplesmente, como um assobio ao vento. Como um fantasma que só serve para me assombrar as noites frias. (Talvez nem passes disso...)

E, aí, voltavas – todas as vezes. Sem respostas, sem razões e sem quaisquer (des)culpas. E pior: eu aceitava-te. De todas elas, abri-te os portões enferrujados do meu coração e voltei a dar-te a minha chave. Já tu, vinhas sempre com uma diferente.

Se te odeio? Seria incapaz. Se te ressinto? Adoraria, mas não faz parte de mim. Se te quero longe? Não. Não e não. É a última coisa que quero neste mundo, está bem? Se te irei mandar embora de vez? Não quero, por favor, nunca me deixes fazê-lo...

Será que tem de ser? Tem. E, apesar de não ter as forças, tenho algo que tu não tens: um motivo para te deixar para sempre. E uma razão para nunca mais te deixar aproximares-te de mim.

Últimas palavras para ti? Para quê? Nunca as percebeste.