quinta-feira, janeiro 08, 2015

(Não) Fomos feitos um para o outro


Fomos tanto... Lembras-te? Ainda te lembras de nós e de como costumávamos ser?

Lembras-te daquele beijo interminável, à beira-mar, que trocámos em segredo? Lembras-te dos nossos abraços, que sempre foram o encaixe perfeito dos nossos corpos; dos nossos mundos? Lembras-te das palavras que fluíam de nós, e que guardávamos como verdades absolutas? Lembras-te das noites em que adormecíamos lado a lado, com a certeza de que iríamos acordar juntos? Lembras-te do medo demente que tínhamos de nos perdermos um do outro? Lembras-te das lágrimas que chorámos em ambos os nossos colos? Então, ainda te lembras do quão grandes e magníficos conseguimos ser?

Fomos tanto... E agora somos memórias empacotadas num baú, algures trancado num sótão poeirento. E o problema foi meu, admito, por andar sempre a remexer nele. Devia tê-lo deixado em paz. Devia ter aprendido a aceitar a nossa morte, por entre um luto respeitado. Mas não. Fui egoísta. Ressenti-te por me teres deixado a recordar-nos sozinha... Quando, na verdade, foste tu quem agiu bem. Foste tu quem virou costas e seguiu caminho. E que direito tenho eu em chamar-te de volta?

Depois de partires, o meu maior desejo foi ver-te voltar. Tu não o fizeste: por falta de razões, por medo, por falta de vontade, fosse pelo que fosse... Não interessava. O meu problema foi esse: achar que tinha de saber o porquê. E para quê? Se esse jamais me iria trazer-te de volta?


Depois, desejei violentamente esquecer-te. Amar-te, sozinha, magoava-me mais do que qualquer outra coisa. Insultava-te por me teres deixado assim. Insultava-te por, outrora, me teres feito acreditar que para sempre aqui estarias. Insultava-te por tudo e por nada, por ser mais fácil culpar-te de tudo. Só queria esquecer-te, mas continuava a amar-te nas nossas memórias intocáveis. E desde quando é que isso é amor? Devia ter sabido melhor. Devia ter trancado o baú e atirado fora a chave.

Apercebi-me do quão forte eu era, quando não tive outra escolha senão sê-lo. Livrar-me de ti; desligar-me de tudo – das músicas, dos lugares, das conversas tardias, das fotografias bolorentas – costumou-me um pedaço enorme do meu coração. Duvido que ele volte a ser o mesmo, admito. Foste-me muito, percebes? Entreguei-te de tal forma uma parte minha, que deixou de o ser para não voltar mais. Ficou aí, desse lado, enfiada algures numa das tuas gavetas. E depois? Um presente que é dado não deve ser devolvido. E eu não quero esse meu pedaço que te dei, porque ele será sempre teu. Percebes? Eu serei sempre um bocadinho tua. Tu serás sempre um bocadinho meu.

Mas eu não te quero culpar mais. Nem quero ressentir-te. E muito menos fingir que te odeio. Tu agiste bem: amaste-me enquanto era tempo. E partiste quando chegou à altura. E eu, em vez de aproveitar a deixa e seguir caminho, deixei-me ficar só à espera que o nosso passado fosse o suficiente para te fazer voltar. Estava tão errada... O amor não funciona assim. Isso é só apego, hábito – uma outra coisa qualquer. Porque o amor não deixa nenhum a esperar sozinho.


Talvez, um dia, encontre alguém que não se assuste com a minha maneira de amar. Desbravada, desmedida, imprevisível e à flor da pele. Alguém que não se limite a permanecer na linha costeira, mas que se aventure pelas profundezas do oceano comigo, sem deixar que o medo de perder o fôlego lhe faça voltar logo a um porto seguro.

O meu coração é um oceano e tu és um navegante de rios. E eu já me deveria ter apercebido de que, da mesma maneira que não fui feita para marés baixas, também tu não foste feito para grandes ondas.

E eu perdoo-te. Não por ti, mas por mim. Porque eu mereço libertar-me destas cordas que me amarram à costa, e lançar-me numa aventura por entre mares infinitos. E para quê insistir em ficar presa a uma pedra, se existe tanto oceano por explorar?

Fui feita para ser livre. E cansada já eu estou de culpar-te por ter deixado de sê-lo.

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