sábado, julho 25, 2015

SER-SE AÇORIANO


Aqui, nasci. Aqui, sorri. E aqui, eu vivi. Junto a esta costa que já tão bem conheço. Junto a estas pessoas que por mim passam, e que me cumprimentam. E junto a este oceano, que tanto me tranquila o olhar.

Pudessem existir palavras para conseguir descrever este paraíso na terra. Como explicar a quem nunca viu, a forma como o sol desaparece além do horizonte? Ou a maneira como a maresia sabe, ao passar por entre os meus cabelos? Ou então o jeito com que o tempo avança suave e em pura calmaria?

Aqui, eu aprendi a ser. À flor da pele e sem reservas. Aqui, apaixonei-me pela primeira vez e aprendi a amar como eu amo. Aqui, partiram-me o coração e eu aprendi a ser forte apesar de tudo. Aqui, saltei de rocha em rocha e aprendi a nadar. Aqui, aprendi a estar em paz.


Pudesse eu retribuir a esta terra o tudo que esta fez por mim. Pudesse eu levá-la comigo, de cada vez que me despeço. Daqui, eu despedi-me, mas nunca seria para sempre. Porque, por mais longe que esteja, eu jamais me esqueço. Do som das cagarras à minha volta. Do cheiro a orvalho pela manhã. E muito menos do mar que está sempre à vista. Como explicar a quem nunca sentiu, o que eu sinto quando tenho de dizer “adeus” ao amor da minha vida? E ao meu lar que já conheço de cor? E às pessoas que vão na rua e que me abraçam com o olhar?

Quem nasce numa ilha, aprende a ser grande num meio pequeno. Quem aqui nasceu, e quem daqui partiu, aprende que a famosa frase “longe da vista, longe do coração” é a maior barbaridade alguma vez dita. Nos nossos peitos, baterão sempre as asas de uma gaivota. Nas nossas mãos, perdurará para sempre a sensação de água salgada e areia. E nos nossos lábios, saborearemos sempre os beijos daqueles que estão longe de nós.


Pudessem existir palavras para descrever este paraíso na terra. A sensação de percorrer a calçada, com quem mais amamos do nosso lado, por entre a noite de Verão. Ou então o sentimento de espera agonizante para regressar: o contar dos dias e o aperto no coração. E esta ilha será sempre o meu regresso. Porque, aqui, eu nasci. Aqui, eu vivi e, daqui, me despedi quando chegou a hora.

Ser açoriano é voltar. Ser açoriano é nunca partir por completo. E por mais longe que esteja deste meu Céu, para sempre o trarei comigo. E como explicar a quem nunca viu, o céu intenso e estrelado que nos sobrevoa e acalma as noites? Ou o vento forte que tanto nos despenteia? Ou o mar revolto a rebentar contra a costa?


Não se explica simplesmente. Aqui, sente-se tudo e sente-se forte. Sem meios termos ou meias medidas.  Aqui, vive-se com o cheiro do mar que nunca nos abandona. Aqui, é-se em pleno. E haverá realidade mais bela do que essa?

Porque, aqui, o meu olhar é um pássaro que voa… E um pássaro volta sempre ao seu lar.


terça-feira, julho 14, 2015

Às mulheres livres.

Sim, talvez ela nunca seria aquela mulher que vagueia pela rua à espera que a notem. E muito menos aquela que entra de rompante num bar e capta todos os olhares presentes. Nem isso lhe importava, afinal de contas. Ela sabia o que valia, e não necessitava que quaisquer outros lho dissessem.

Mas não se deixem enganar pela confiança que transparece, porque também ela se vai abaixo. Faz de tudo para que ninguém repare e é capaz de enclausurar-se dias afio no seu próprio canto, a matutar acerca de tudo e mais alguma coisa. Sim, ela nunca seria invencível. Mas também jamais seria a que é espezinhada vezes e vezes sem conta.

Era livre de ser o que quisesse. E até naquelas noites que passa a duvidar de si mesma, ou a perder-se por entre copos de álcool, ela sabia muito bem que tudo isso fazia parta. Encarava cada queda como uma oportunidade para provar o quão forte é. E até quando enfraquece, e até quando as forças se lhe esgotam, ela sabe: ela merece mais do que isso. Ora aí está: é uma mulher que reconhece o seu próprio valor, mesmo que nem lho digam. Isso nem lhe importa.


Sim, ela nunca seria aquela mulher que sabe tudo o que quer, a qualquer altura. E muito menos a que jamais comete erros e que tem a vida toda acertada. Para quê? Ela bem sabe que andar perdida faz parte da jornada. E mesmo naquelas alturas em que se sente incapaz de encontrar o seu rumo, depois de ter dado todos os passos errados, ela bem sabe: um dia, há-de se encontrar. E, para isso, pelo caminho, tem primeiro de se perder.

Apaixonares-te por uma mulher assim é arriscado até dizer chega. Porque ela jamais te confessará o quanto te quer na sua vida, por sempre ter sabido ser ela e só ela consigo mesma. Mas ela quer-te, por mais que o negue e por mais que te afaste desmedidamente. Porquê?, perguntas. Porque trata-se de uma mulher que já há muito aprendeu a ser dona do seu nariz e do seu papel neste mundo. É um tanto arrogante, por vezes, sim. Mas sabes uma coisa? Não há ninguém com maior coração para te receber, como ela o tem. E não existem outras mãos tão fortes para te agarrar, como as dela.

Se vale a pena o risco? Sim. Sem quaisquer dúvidas. Até porque ela será a mulher que te aparece para te provar do quanto as coisas complicadas valem a pena. Virar-te-á o mundo do avesso, se assim o quiser. Trocar-te-á as voltas todas, se assim o desejar. Mas sabes outra coisa? Ao seu lado, viverás uma das maiores aventuras e desafios da tua vida. E o teu desejo por compreendê-la vai alimentar-te os dias e iluminar-te as noites. E o teu anseio por fazer com que ela te ame, aquecer-te-á o coração como nenhuma outra antes o fez.


Sim, ela é uma mulher livre. E tu terás de estar preparado para assumir isso como uma realidade inquestionável. Porque se a tentares prender, ela fugirá pelas frinchas da gaiola que construíste. E se te passar pela cabeça domá-la, vais dar por ti a gritar para o vazio. E pior: se tentares limar o seu ser, por mais ligeiramente que seja, ela baterá o pé e mandar-te-á dar uma volta. Ela é assim e sempre o foi. Uma mistura de egoísmo e de doçura como nunca antes conheceste.

Amar uma mulher assim nunca será um lago de água doce. Portanto, ou viras surfista de mar alto e revolto, ou deixas-te estar junto à costa, a mirá-la enquanto ela se vai e some da tua vida.

Então? Que vais fazer? Não penses de mais. Quando deres por ti, já nem a encontras. E lá está ela a vaguear pelas ruas com as mágoas escondidas ao fundo da mala, enquanto esconde as lágrimas nos bolsos do casaco. Sim, ela chora. Mas jamais mostraria isso a alguém que não vale a pena.

sábado, julho 11, 2015

POR DETRÁS DAS PAREDES

Eu tenho um segredo. Quis escondê-lo de ti o máximo possível, mas tu topaste-me logo ao início. Jamais me esquecerei do primeiro dia em que me levaste a tomar café e, do nada, desvendaste-me. Simplesmente assim. Eu! Eu que sempre me revesti de máscaras e muralhas. Eu! Eu que sempre julguei ser uma perita no jogo do disfarce de indiferença.

Mas tu olhaste-me a fundo, enquanto eu tagarelava e esboçaste um meio sorriso. Mal nos conhecíamos e, no entanto, num só olhar, tu conseguiste fazê-lo: tu achaste-me. Apanhaste-me em flagrante. E tu disseste apenas: “É esse o teu mecanismo de defesa, não é verdade?”.

E era. Sempre assim o foi. Mas esse era o meu segredo, que, apesar de ser sempre descoberto, levava sempre imenso tempo. Contudo, lá estavas tu, ao meu lado, na mesa de café, a descobrires-me em cada palavra. Em cada movimento, gesto e tom de voz. Estavas a examinar-me e eu nem dei conta, de imediato. Até me teres olhado daquela maneira mais umas quantas vezes, enquanto me dizias: “É nisso que queres que acredite, não é assim?”.


Trouxeste-me ao café, mas deixaste-me num beco sem saída. E eu já só soltava risadas tontas, tão típicas de mim, quando fico sem palavras e encostada à parede. Foste-me às mangas do meu casaco e retiraste de lá todos os meus truques e manhas. E eu já só queria fugir, mas o teu sorriso dizia: “Fica. Não tenhas medo e, por uma vez, fica.”

E eu fiquei. Vacilante e cheia de complexos, mas ainda aqui estou. Assustada com tudo o que conheces de mim, e em tão pouquíssimo tempo. Amedrontada por todos aqueles momentos em que me dispo e me entrego a ti, sem nunca te conseguir esconder o que quer que seja. Como foi possível me teres apanhado tão depressa? Eu! Eu que virei um bicho manhoso - há sei lá quanto tempo -, que só sabe fisgar-se? escapar-se? Mas, contigo, não foi assim. Nem todos os segredos que já guardava há tanto cá dentro te conseguiram escapar. Como foi possível? Eu!

Eu sou uma romântica, na verdade. Acredito no amor louco e esventrado, que nos consome e toma posse de nós a cada momento que passa. Mas eu escondo isso. Eu escondo esse meu lado, porque são as pessoas frágeis que se lixam sempre. Porque são essas que passam por fracas, por chorarem em braços e em jardins públicos. Porque são essas que passam por tolas, por confessarem o quanto amam e por gritarem o quanto sofrem. Então, eu escondo todas essas facetas por detrás de uma frieza descomunal; de uma rijeza impiedosa; de uma parede de betão. 


Mas tu invadiste-me. Deitaste abaixo quaisquer barreiras que me envolviam o coração. Rebentaste com a fechadura e disseste apenas: “Solta-te. Deixa-te levar. Sente a fundo.” E eu tentei. Ainda hoje eu tento, mas assusta-me. Porque eu já há muito que só conhecia esta realidade de quem não mostra nem metade do que sente. Realidade, essa, de quem se fecha em copas, para que seja quase impossível alguém se aproximar demais e me conheça como eu sou. É estúpido, mas é uma defesa. Uma defesa de quem já se cansou de ser magoada sem qualquer dó nem piedade.

E a culpa não é tua. Mas tu sofres, que eu bem sei. Sofres com os meus afastamentos vacilantes. É a minha cobardia a tomar posse de mim e tu bem sabes. Não é justo, porque são pessoas como tu que deviam ser guardadas. E, no entanto, são pessoas como tu que eu acabo por afastar sempre.

Eu preciso de tempo para também eu me tornar capaz de me descobrir a mim mesma. Mas sinto que também preciso de ti. E o pior é saber que nunca poderei ter as duas coisas.