sexta-feira, novembro 04, 2016

"O QUE É QUE EU VI EM TI?"


“O que é que viste nele?”, perguntaram-me num dia qualquer, por entre uma conversa típica de café. De repente, foi como se todas as vozes se tivessem calado à minha volta. Hesitei, e hesitei mais um pouco. Da minha boca, nada mais que silêncio… e um meio sorriso a querer espreitar.

O que é que vi em ti? Eu digo-te, até porque não poderia ser mais simples: vi o que mais ninguém antes viu. Vi o teu olhar de soslaio a mirar-me discreto, em plena multidão; olhar, esse, que nada tinha a haver com os outros que conhecera até então. Olhar, esse, que ao contrário dos outros, não me procurava decifrar de uma só vez; nem descobrir todos os meus receios ou segredos, nem deitar todas as minhas barreiras abaixo, sem sequer pedir permissão.

Não. O teu olhar sempre foi diferente. Ainda hoje, passado algum tempo, continuas a olhar-me da mesma maneira. Assim de jeito meigo, de sorriso paciente no rosto, só à espera que eu me revele por mim mesma, e a meu tempo. A diferença preponderante dos teus olhos sempre foi esta: eles deram-me tempo. Eles ainda hoje espelham a paciência para esperar.


O que é que eu vi em ti? Eu digo-te, correndo o risco de me repetir: eu vi o que mais ninguém foi capaz de ver. Lá está, nunca ninguém te concedeu a calma necessária para te conhecer como eu te conheço. E o mesmo se aplica a mim. Entrámos nesta jornada juntos sem sequer notarmos: nem demos logo as mãos, nem os beijos, nem os corpos. Simplesmente nos encontrámos em plena madrugada, enquanto os bares fechavam, e dissemos um para o outro: “e se ficássemos mais um pouco?”. 

E, assim, fomos ficando. Aquela noite imprevisível deu lugar a muitas outras, demasiadas para contar. E essas foram dando lugar aos dias, que nunca chegámos a contar, porque ambos odiamos contas. Quando dei por mim, cá estávamos nós… A viajar pela alma um do outro, um passo de cada vez e sem quaisquer pressas. Tal como sempre deveria ser.

O que é que eu vi em ti? Eu digo-te. Eu vi em ti, pela primeira vez, a prova de que o tempo não tem de ser [sempre] o nosso maior inimigo. Eu vi em ti todas as estações do ano num só dia: o tom outonal dos teus olhos, o moreno da tua pele, o cheiro a manhã de primavera e o frio que sinto nas noites de Inverno a que não chegas. Eu vi em ti, não só a paz que viria a acalmar a minha tempestade, como também a companhia para dançar comigo à chuva.


Pronto, está bem. Eu não conheço tudo de ti, ainda. Não sei todas as tuas músicas de cor e salteado, nem as tuas histórias mais caricatas da adolescência. Não decorei o teu passado, nem muito menos adivinho o que pretendes do teu futuro. Não vi, ainda, todas as cicatrizes ao longo do teu corpo, nem tão pouco sei das pessoas que as provocaram.

Mas sabes que mais? O que é que tem, quando sou eu aquela que te viu como mais ninguém o fez? Disseste-me, outrora, por entre uma conversa qualquer, que te consideravas o homem mais sortudo, por teres alguém que te vê como (só) eu te vejo. Mas queres saber uma coisa? Sortuda também eu sou, por ser aquela que pode olhar para ti todos os dias.

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