segunda-feira, janeiro 10, 2011

Miguel Esteves Cardoso, "Elogio ao Amor".



"(…) O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixonade verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão alimesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Por causa da cama. (…)

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há. Estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo.

O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. O amor puro é uma condição. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não."

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