terça-feira, setembro 29, 2015

ADMITE QUE NUNCA FOI AMOR


A fase mais dolorosa da minha vida foi aquela que passei do teu lado, a fingir que não te amava. A cruzar o meu olhar com o teu, e a reunir todas as minhas forças para que não notasses no formigueiro da minha pele. A ouvir-te falar dos teus namoricos da noite, e a fingir que cada um deles não eram como que uma facada no meu coração. A passear ao teu lado, rumo àquele café, e a tentar sofregamente que as nossas mãos se tocassem por acidente. A fingir que já dormia, junto a ti ao longo da cama, rezando a todos os deuses que te aproximasses. Que me tocasses. Que me tomasses como tua.

E os meus amigos perguntavam-me o que é que tu eras para mim. Eu encolhia os ombros num “tanto faz”, enquanto que o meu corpo se debatia contra a realidade do quanto eu te queria. E eles estranhavam o facto de, numa noite, sermos capazes de nos beijar e consumir como se não existisse mais ninguém no mundo. Para, no dia seguinte, nos ignorarmos e agirmos como se não se passasse nada. E eles perguntavam-me o que é que nós éramos e eu encolhia os ombros num “não interessa”. Enquanto que o meu corpo perecia, consumido por dúvidas, incertezas e perguntas, que eu tanto queria ver respondidas.


Nas noites em que não conseguíamos adormecer, tu vinhas buscar-me a casa, por entre a madrugada. Eu entrava no teu carro, tentando esconder o sorriso e a excitação com uma máscara de indiferença. Tu acendias o cigarro, enquanto conduzias, enquanto ambos bebericávamos um vinho rasca meio quente que deixaras no porta-luvas. Era isso que fazíamos nas noites frias, quando nos esquecíamos dos casacos. E lá íamos falando acerca do mundo, e de como a sociedade nos corrompe, e de como o futuro é tão incerto. Porque era isso que nós fazíamos nas noites em que nos sentíamos perdidos, sem saber para onde ir. Seguias por caminhos aleatórios até parares junto à costa. Fumávamos cigarros; eu com a cabeça pousada no teu ombro, enquanto discutíamos acerca de qual de nós lutou mais um pelo outro, de quem beijou quem primeiro, e porque é que tudo se desmoronou. Porque era isso que nos fazíamos nas noites em que não compreendíamos nada. Acabávamos bêbedos, por entre as estradas de terra batida, a rir e a fazer amor ao mesmo tempo enquanto a manhã espreitava. Porque era isso que nós fazíamos nas noites em que só queríamos esquecer.

Na manhã seguinte, tu procuravas as minhas roupas pelo teu quarto, impedindo-me de deixar quaisquer resma atrás, no teu mundo. Esse, de que nunca me deixaste fazer parte por mais de uma noite. Despedias-te com um aceno de cabeça como se não me tivesses consumido há umas horas. Fechavas-me a porta como se não fosse nada, mas, de todas as vezes que o fazias, uma fenda abria-se no meu peito esventrado. E, aí, eu partia, sempre à espera de voltar. Só por uma noite e eu sabia. Porque há qualquer coisa de fascinante em sermos arruinados e destruídos por quem mais amamos. Como se merecêssemos essa sentença pelo amor que sentimos ser um crime. E o ciclo voltava ao seu início: eu a fingir que não quero saber. Eu a fingir que não me importo em não passar de um corpo que te afasta da solidão. Eu a fingir que não vou para casa, logo a seguir, chorar e saborear o aroma que deixaste em mim, enquanto este não se dissipa por completo.


Não eram as mentiras que tu me contavas as que me doíam mais. Aquelas que te saíam quando te embebedavas, tais como que um dia iríamos ficar juntos, ou que jamais encontrarias alguém tão certo para ti como eu, e etc. Foram as mentiras que acreditei acerca de mim mesma, que me causaram maior dor. Aquelas que eu teimava em dizer em voz alta, tais como que não precisava de saber o que era para ti, porque estar ao teu lado bastava; ou que já há muito te tinha esquecido e que não passavas de um conforto entre lençóis, entre outras. Dei por mim envolta numa ilusão de que não te queria, quando, na verdade, te precisava cada vez mais.

Agora, saio à noite e estou aqui, neste canto, de copo na mão, a mirar a multidão e a abafar os meus pensamentos com música frenética. De rímel bem posto, a esconder o meu olhar desmaiado, e com batom a delinear-me os lábios, para que ninguém repare como estão secos. Estou a sorrir, mas nem se parece nada com um sorriso. Embebedo-me e fumo, mas as viagens de carro arrebatem-me, e o teu cheiro vem-me à memória, e aí eu dou por mim te encontrando nas faces dos estranhos que tento beijar à toa. E no fundo de qualquer copo que beba. Vou para casa, por entre a noite fria, que até me faz doer os ossos, e adormeço vestida, desengonçada, e com uma mensagem por enviar para ti, no meu telemóvel.


Nunca houve esperança para nós, e tu sempre soubeste… Mas eu era a única luz que se fazia sentir por entre a escuridão que tu te tornaras. E eu era a única fonte de esperança que nunca se ia embora… Então tu seguraste-me como se a tua vida dependesse disso. Consumiste as minhas forças e partiste quando as que tinhas já eram suficientes para continuares… sem mim… E, agora, a única coisa que restou foi a certeza de que nunca tivemos nada que pudesse ser chamado de amor.

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