sexta-feira, setembro 19, 2014

O amor nunca chega à hora marcada.


Quando saíste, nem te deste ao trabalho de fechar bem a porta. Deixaste-a tão entreaberta: o suficiente para conseguir ver-te a desaparecer ao longo da Avenida; o suficiente para conseguir ouvir o som arrastado dos teus sapatos gastos pelo asfalto. E quase nada me deixaste, em retorno da tua ida tão brusca e tão fria: apenas o eco do ranger da porta, um suave rasto do teu aroma a café e a cigarro e o pesar das verdades cruas e duras, a rebentarem-me na cabeça. Nada mais que isso. E eu, que tanto pensava que merecia mais. Que sempre pedi por mais, quiçá, demasiado.

Costumavas dizer-me que devia ser mais mulher; que devia ser mais isto, e aquilo… E eu nem sequer conseguia responder aos teus pedidos. Nunca consegui. Mas juro-te que tentei. Pelo menos, até ao dia em que me apercebi que quem ama, ama tudo e mais um pouco; quem ama, cuida e protege - e longe já longe iam os dias em que tu fazias isso por mim. Mas não te ressinto… Como o poderia fazer? Como poderia eu ressentir alguém que, apesar de tudo, me fez aprender tanto, amar tanto, viver tanto? Dizem que, quando tal laço de amor se desprende, que devemos ignorar o que foi bom. Mas como poderia eu fazer isso, se sempre encarei todas as experiências e todos os momentos - bons e menos bons -, como algos divinais, que sempre me fizeram todo o sentido? As pessoas esquecem-se, por vezes, de como se lida com as coisas, e que "cagar e andar", nem sempre é a melhor opção; que esquecer, nem sempre significa desprendermo-nos de tudo o que antes nos ligava a outrem. Às vezes, a melhor forma de enfrentarmos e de ultrapassarmos uma grande perda, é simplesmente ir aprendendo, lentamente, a aceitá-la: os seus porquês e os seus comos. Fizeste-me tão bem: mais do que alguma vez saberás, mais do que desconfias. E por isso é que te guardo e sempre guardei. Muitos me disseram para deixar da mão e, no entanto, tal nunca me passou pela cabeça. Apesar de tudo o que possa ter mudado, uma coisa manteve-se constante: simplesmente és alguém digno de ser guardado.


O amor nunca chega à hora marcada, sabiam? Não segue horários, mapas ou marés, nem ventos. Aliás, este entra pelas frinchas de portas que já nem nos lembrávamos que havíamos deixado abertas. Entra, quase sem nos apercebermos.

E querem saber outra coisa? Ele parte exactamente da mesma forma. Sorrateiramente, desvanece, sem darmos conta de tal prenúncio do fim, pelas mais variadas razões, que, no fundo, nunca chegamos realmente a compreender.

Mas não pensem que tal significa que esse mesmo amor nunca existiu. Não se iludam. Apenas tratam-se de coisas da vida. E eu adoro comparar o amor a uma flor, que nasce de pequeno, a partir de uma semente. E tudo o que nasce, morre - por erosão do tempo, por circunstâncias da vida, por tempestades… Mas existiu.

E tal como o aroma único de uma flor que tanto cuidámos nos fica no olfacto, também um amor desses nos fica no coração.

Sem comentários:

Enviar um comentário